O aumento da incidência de chuvas em consequência das mudanças climáticas globais não pode servir de desculpa para os governos não agirem para evitar enchentes, é a avaliação que fez a professora e pesquisadora Debarati Guha-Sapir, diretora do Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia de Desastres (Cred), de Bruxelas, na Bélgica.
Segundo ela "não é possível fazer nada agora para que não chova mais intensamente. Mas temos de buscar os fatores não ligados à chuva para entender e prevenir desastres como esses (das enchentes no Brasil e na Austrália, por exemplo)."
Debarati Guha-Sapir reconhece que o conjunto dos problemas enfrentados pelas populações, especialmente as mais pobres, tem causas naturais também.
"Dizer que o problema é conseqüência das mudanças climáticas, sim, não resta dúvida, as transformações estão acontecendo em todo o planeta, mas, não é pretexto para fugirmos da responsabilidade, é desculpa dos governos para não fazer nada de realmente eficaz para resolver o problema", critica a pesquisadora, que também é titular da cátedra de Saúde Pública da Universidade de Louvain.
O Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia de Desastres (Cred) vem coletando dados sobre desastres naturais no mundo todo há mais de 30 anos. A professora Guha-Sapir diz que os dados indicam um aumento considerável no número de enchentes na última década, em termos de quantidade de eventos e em número de vítimas.
Segundo a pesquisadora, as consequências das inundações são agravadas pela urbanização caótica, pelas altas concentrações demográficas e pela falta de preparo e equipamento adequado para uma atuação melhor do poder público.
"Há muitas ações de prevenção, de baixo custo, que podem ser adotadas, sem a necessidade de grandes operações de remoção de moradores de áreas de risco", diz, citando como exemplo proteções em margens de rios e a criação de áreas para alagamento (piscinões).
Para a especialista, questões como infraestrutura, ocupação urbana, desenvolvimento das instituições públicas e nível de pobreza e de educação ajudam a explicar a disparidade no número de vítimas entre as enchentes na Austrália e no Brasil.
"A Austrália é um país com uma infraestrutura melhor, com maior capacidade de alocar recursos e equipamentos para a prevenção e o resgate, com instituições e mecanismos mais democráticos, que conseguem atender a toda a sociedade, incluindo os mais pobres, que estão em áreas de maior risco. Quanto ao que acontece na América do Sul, é inaceitável. O Brasil não é Bangladesh e não tem nenhuma desculpa para permitir, no século 21, que pessoas morram em deslizamentos de terras causados por chuva", provocou.
Para a professora Guha-Sapir, outro fator que tem impacto sobre o número de mortes é o nível de educação da população.
"Pessoas mais educadas estão mais conscientes dos riscos e têm mais possibilidades de adotar ações apropriadas", diz.
Apesar disso, ela observa que a responsabilidade sobre as enchentes não deve recair sobre a população.
"Isso é um dever das autoridades. Elas não podem fugir à responsabilidade, foram colocadas nesses postos para agir preventivamente e em atendimento ao chamor da sua população", afirma.
Sistema de alerta
O então ministro de Ciência e Tecnologia, senador Aloizio Mercadante, em 2012 ocupando a pasta da Educação, reconheceu que os governos anteriores não implantaram um sistema nacional de alerta e prevenção de desastres, embora ele estivesse previsto em decreto publicado em 2005, no primeiro mandato do então presidente da República, Luíz Inácio Lula da Silva.
Esse sistema de alerta foi anunciado agora em resposta as fortes chuvas que ainda devastam cidades e levam a morte famílias inteiras que ocupavam irregularmente as margens de rios e encostas dos morros em todo o País e na região serrana do Rio de Janeiro, principalmente.
Entre as medidas anunciadas pelo governo federal no início de 2011 estão, além da compra de um supercomputador que ampliará a capacidade de monitoramento de áreas de risco e de processamento de informações, 700 pluviômetros, novos radares, e o aviso de alerta às populações em áreas de risco até seis horas antes do evento climático.
Prevenção a desastres naturais
A presidenta da República, Dilma Rousseff, orientou seus ministros a mudar a forma de trabalhar ações de defesa civil. Segundo ela, “não adianta agir só na hora em que acontece a tragédia, é preciso trabalhar soluções definitivas para essas ocorrências, para que não se repitam, ou sejam minimizadas”.
Entre os investimentos de prevenção, o governo federal criou o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), para emitir alertas em áreas de risco de inundações, enxurradas e deslizamentos. “O Cemaden já está funcionando e conseguindo evitar mortes por causa dos alertas”.
O governo federal também criou “o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres, que permite estabelecer uma rede nacional de informações, para que lá na ponta, as defesas civis nacional e local possam ter a capacidade de se mobilizar”, e ainda acelerou o mapeamento geológico de 250 municípios para conhecer os riscos a que estão sujeitos em caso de tempestade.
A previsão era que esse mapeamento fosse concluído em 2014, mas a presidenta Dilma Rousseff determinou aos ministros que antecipassem a finalização do trabalho; representantes de universidades federais e da Petrobras identificam geólogos dessas instituições que possam reforçar o trabalho de mapeamento.
Técnicos ligados as universidades federais, a Petrobras e aos ministério da Integração Nacional, Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente acreditam que só será possível estimar o novo prazo de conclusão do mapeamento após saber quantos profissionais estarão disponíveis para a tarefa. Depois de feito esse mapeamento, poderão se deparar inclusive com a necessidade de remover famílias de algumas regiões em função do risco geológico da área.
Os municípios que tiveram imóveis totalmente destruídos terão prioridade no programa Minha Casa, Minha Vida. A estimativa do governo federal é de que cinco milhões de pessoas vivam em áreas de risco potencial no país, e argumentou que o sistema não foi implantado anteriormente porque as condições meteorológicas eram mais favoráveis, não indicavam emergencia.
Agora a demanda está em três mil unidades habitacionais que precisam ser levantadas para os que perderam tudo com as fortes chuvas. E devido à previsão de aumento das tempestades tropicais em São Paulo e Santa Catarina, foram instaladas nos dois Estados unidades do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.